Como o Gastão já postou lá no Zona Incerta, eu consegui falar com o Daniel, o amigo dele que entende de pendrives (uma especialização meio bizarra, diga-se de passagem). Ele ficou todo estranho quando eu mencionei que o pendrive era do Miro. Falou que conhecia o Miro e ficou ainda mais preocupado quando eu falei que ele estava sumido.
No fim das contas o pendrive tinha um diretório oculto ou algo assim. Dentro do diretório estava mais um pedaço da gravação do Miro. Está lá no ZI e no YouTube.
Mas... e esses números que aparecem em alguns frames?
Algo me diz que eles podem uma pista valiosa para o paradeiro do Miro. O problema é saber exatamente o que eles são... e qual é a ordem certa deles.
terça-feira, 27 de fevereiro de 2007
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007
Pendrive
Recebi algo que pode interessar...
p.s.: O Gastão colocou o arquivo aqui neste link
No YouTube, vcs podem ver ele aqui.
p.s.: O Gastão colocou o arquivo aqui neste link
No YouTube, vcs podem ver ele aqui.
domingo, 25 de fevereiro de 2007
Fragmentos
Não sei o que pensar sobre isso. Deixar pedaços de uma gravação para que, no caso dele não voltar, nós pudéssemos saber o que fazer. Parece uma medida tão desesperada, não é a imagem que eu tenho do Miro.
Não sei o que escrever aqui...
"Eu sei que ele está bem" ou "tenho certeza que ele vai voltar" já não dão conta de expressar esse resto de esperança que eu tenho. Fora que se eu começasse a escrever essas coisas vocês iam querer me denunciar para o comitê de controle dos blogs cafonas (se é que já não fizeram isso). Mas, que fique claro, essa esperança existe.
Esses aí embaixo são os pedaços do vídeo que nós já achamos. Obrigado ao Videmame por colocá-los online.
"Hope is the thing with feathers
That perches in the soul,
And sings the tune without the words,
And never stops at all."
Não sei o que escrever aqui...
"Eu sei que ele está bem" ou "tenho certeza que ele vai voltar" já não dão conta de expressar esse resto de esperança que eu tenho. Fora que se eu começasse a escrever essas coisas vocês iam querer me denunciar para o comitê de controle dos blogs cafonas (se é que já não fizeram isso). Mas, que fique claro, essa esperança existe.
Esses aí embaixo são os pedaços do vídeo que nós já achamos. Obrigado ao Videmame por colocá-los online.
"Hope is the thing with feathers
That perches in the soul,
And sings the tune without the words,
And never stops at all."
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
10pm
É a hora em que essa sensação indescritível que já se estende por mais de 3 semanas fica ainda pior. É a hora em que o Miro me ligava todos os dias. Não importava se o dia dele tinha sido bom ou péssimo, o telefone ou o Skype sempre tocavam às 10 e por algum tempo eu conseguia esquecer da vida e do trabalho e de todo o resto.
Mas aí eu penso no Gastão e me sinto a pessoa mais egoísta do mundo. Se esse vazio e esse sentimento de impotência que não vão embora desde o fim de semana em Maués já estão beirando o insuportável, não consigo nem começar a calcular o que o Gastão está sentindo. Como se as coisas não pudesse ficar piores, ele foi mandado embora. Nunca em todo esse tempo que a gente se conhece eu tinha visto o Gastão tão para baixo, mas, mesmo assim, ele não se deixa abater. Fica dia e noite ligando para pessoas que poderiam ter tido contato com o Miro nesses dias, olhando para tudo aquilo que ficou para trás no laboratório em Maués... E hoje ele veio em casa para me mostrar as traduções das cartas do Tomas Hardenberg que vocês postaram no Zona Incerta. E eu insisto que ele precisa descansar, mas não adianta.
"E aí? O que você acha disso tudo?", ele perguntou, depois de entornar duas xícaras e meia de café preto enquanto eu terminava de ler os papéis impressos.
"Eu acho que as pessoas que conseguiram quebrar esse código deveriam colocar isso no currículo".
"Sério. De um ponto de vista antropológico...", ele disse, naquele tom de quem nunca entendeu muito bem o que afinal eu faço da vida.
"Bom, é de longe uma das coisas mais estranhas que eu já li. Seja quem for esse Hardenberg, ele realmente tinha problemas. Não acho que um ponto de vista antropológico pode ajudar muito, não. Ele sofria de algum distúrbio clínico, isso sim."
"E...?"
"E... Era letrado. Rituais de mumificação, o Apocalipse, Fausto, a Divina Comédia... E esse trecho sobre o fauno e o cavalo, me lembra aquela pintura do Fuselli."
"É", ele começou, "Mas nada disso parece ter a ver com as pessoas com quem ele devia estar envolvido. Quer dizer, ele menciona 'eles' em vários momentos, e fala algo sobre a escuridão dominando uma sociedade... Não parece que ele se refere à sociedade como um todo."
"Não, talvez seja sim. Supondo que esses relatos são do final do final dos anos 30 ou começo dos 40, faria todo sentido, com os regimes fascistas ganhando força e tudo o mais."
Mas ele parecia disposto a me convencer de outra coisa.
"Tá, mas a gente não pode esquecer os postais", ele disse. "Pra mim eles mostram claramente lugares onde o Hardenberg esteve procurando por alguma coisa. Ou registros sobre alguma coisa. Em arquivos, bibliotecas, em incunábulos, como essa outra carta diz."
"É, mas o quê?"
"Pensa só. Se ele estava sofrendo com essas alucinações... Ele era químico, mas também devia pesquisar plantas..."
"Uma cura?", eu arrisquei.
"Faz sentido, não faz?"
"É, mas uma cura para quê?"
"Não sei. Mas ele não era o único que estava atrás disso. Talvez 'eles' sejam os tais 'Guardiões' de quem ele fala numa das cartas."
Eu olhei desconfiada e resolvi chegar logo onde ele queria.
"Você acha que tem algum tipo de sociedade secreta no meio dessa história", eu disse.
Ele esboçou um sorriso.
"E você acha que o Miro se envolveu com eles", eu acrescentei.
"O que você acha?"
"Eu acho que você precisa dormir", eu disse, tirando o bule de café e a xícara dele de cima da mesa e levando para a cozinha.
"Pensa, Olívia", insistiu ele. "A carta de tarô, o telefonema que você recebeu... Não é uma coisa normal".
"Não, não é", eu disse, voltando para a sala e já um pouco impaciente. "Nada parece normal desde que o Miro encontrou essa caixa, mas a gente também não precisa começar a ver um enigma em todo lugar e perder a noção da realidade. Você está sendo o seu irmão agora."
Me arrependi do que eu falei no milésimo de segundo seguinte, mas já tinha saído. Nós dois ficamos em silêncio por um tempo. Eu sentei no sofá, ele soltou um suspiro.
"Você não me falou por que vocês terminaram afinal.", ele falou.
Então eu contei por alto das brigas por telefone, que são as mais ingratas. E da dificuldade em manter um relacionamento à distância por tanto tempo, e do fato de ele não conseguir mais conversar comigo. Ou não querer.
"Alguma coisa mudou depois que o Miro achou esses documentos. Ele mudou."
O Gastão me ouvia em silêncio. De repente, como se toda a carga das últimas semanas se desprendesse ali de dentro e viesse à tona de uma vez, ele largou toda aquela necessidade equivocada de ter que se manter firme do meu lado, e desabou. Foi a primeira vez que eu vi ele chorar. Eu levante e o abracei, e disse que era exatamente o que ele estava precisando naquele momento, o que era a mais pura verdade.
Mas aí eu penso no Gastão e me sinto a pessoa mais egoísta do mundo. Se esse vazio e esse sentimento de impotência que não vão embora desde o fim de semana em Maués já estão beirando o insuportável, não consigo nem começar a calcular o que o Gastão está sentindo. Como se as coisas não pudesse ficar piores, ele foi mandado embora. Nunca em todo esse tempo que a gente se conhece eu tinha visto o Gastão tão para baixo, mas, mesmo assim, ele não se deixa abater. Fica dia e noite ligando para pessoas que poderiam ter tido contato com o Miro nesses dias, olhando para tudo aquilo que ficou para trás no laboratório em Maués... E hoje ele veio em casa para me mostrar as traduções das cartas do Tomas Hardenberg que vocês postaram no Zona Incerta. E eu insisto que ele precisa descansar, mas não adianta.
"E aí? O que você acha disso tudo?", ele perguntou, depois de entornar duas xícaras e meia de café preto enquanto eu terminava de ler os papéis impressos.
"Eu acho que as pessoas que conseguiram quebrar esse código deveriam colocar isso no currículo".
"Sério. De um ponto de vista antropológico...", ele disse, naquele tom de quem nunca entendeu muito bem o que afinal eu faço da vida.
"Bom, é de longe uma das coisas mais estranhas que eu já li. Seja quem for esse Hardenberg, ele realmente tinha problemas. Não acho que um ponto de vista antropológico pode ajudar muito, não. Ele sofria de algum distúrbio clínico, isso sim."
"E...?"
"E... Era letrado. Rituais de mumificação, o Apocalipse, Fausto, a Divina Comédia... E esse trecho sobre o fauno e o cavalo, me lembra aquela pintura do Fuselli."
"É", ele começou, "Mas nada disso parece ter a ver com as pessoas com quem ele devia estar envolvido. Quer dizer, ele menciona 'eles' em vários momentos, e fala algo sobre a escuridão dominando uma sociedade... Não parece que ele se refere à sociedade como um todo."
"Não, talvez seja sim. Supondo que esses relatos são do final do final dos anos 30 ou começo dos 40, faria todo sentido, com os regimes fascistas ganhando força e tudo o mais."
Mas ele parecia disposto a me convencer de outra coisa.
"Tá, mas a gente não pode esquecer os postais", ele disse. "Pra mim eles mostram claramente lugares onde o Hardenberg esteve procurando por alguma coisa. Ou registros sobre alguma coisa. Em arquivos, bibliotecas, em incunábulos, como essa outra carta diz."
"É, mas o quê?"
"Pensa só. Se ele estava sofrendo com essas alucinações... Ele era químico, mas também devia pesquisar plantas..."
"Uma cura?", eu arrisquei.
"Faz sentido, não faz?"
"É, mas uma cura para quê?"
"Não sei. Mas ele não era o único que estava atrás disso. Talvez 'eles' sejam os tais 'Guardiões' de quem ele fala numa das cartas."
Eu olhei desconfiada e resolvi chegar logo onde ele queria.
"Você acha que tem algum tipo de sociedade secreta no meio dessa história", eu disse.
Ele esboçou um sorriso.
"E você acha que o Miro se envolveu com eles", eu acrescentei.
"O que você acha?"
"Eu acho que você precisa dormir", eu disse, tirando o bule de café e a xícara dele de cima da mesa e levando para a cozinha.
"Pensa, Olívia", insistiu ele. "A carta de tarô, o telefonema que você recebeu... Não é uma coisa normal".
"Não, não é", eu disse, voltando para a sala e já um pouco impaciente. "Nada parece normal desde que o Miro encontrou essa caixa, mas a gente também não precisa começar a ver um enigma em todo lugar e perder a noção da realidade. Você está sendo o seu irmão agora."
Me arrependi do que eu falei no milésimo de segundo seguinte, mas já tinha saído. Nós dois ficamos em silêncio por um tempo. Eu sentei no sofá, ele soltou um suspiro.
"Você não me falou por que vocês terminaram afinal.", ele falou.
Então eu contei por alto das brigas por telefone, que são as mais ingratas. E da dificuldade em manter um relacionamento à distância por tanto tempo, e do fato de ele não conseguir mais conversar comigo. Ou não querer.
"Alguma coisa mudou depois que o Miro achou esses documentos. Ele mudou."
O Gastão me ouvia em silêncio. De repente, como se toda a carga das últimas semanas se desprendesse ali de dentro e viesse à tona de uma vez, ele largou toda aquela necessidade equivocada de ter que se manter firme do meu lado, e desabou. Foi a primeira vez que eu vi ele chorar. Eu levante e o abracei, e disse que era exatamente o que ele estava precisando naquele momento, o que era a mais pura verdade.
domingo, 11 de fevereiro de 2007
Mal de domingo
Pessoas que eu conheço costumam reclamam que segunda-feira é o pior dia da semana. Para mim domingo é pior, muito pior. Sempre foi. Não sei bem por quê. Nunca dormi bem de domingo para segunda. É a passagem da alegria da noite de sexta e da calmaria do sábado para um estado de preparação para o começo da semana, para a tensão toda nos ombros outra vez, um estado de coisas por acontecer que me incomoda de monte. Parece que agora eu vivo permanentemente num domingo que não acaba nunca.
Nenhum outro telefonema estranho até agora, nem para mim nem para o Gastão.
Nenhuma notícia do Miro, nem para mim nem para ninguém.
Se descontarmos o papel que o Gastão trouxe de Maués, aquele que estava atrás do porta-retrato, nenhum sinal de que ele esteve ali antes de sumir. Por isso eu acho que aquelas letras espalhadas no papel branco, sejam lá o que forem, são a nossa melhor/única chance de descobrir alguma coisa. O quê, exatamente, já é especular demais...
Mas já que é a única coisa que eu posso fazer, vamos lá. Gastão acha (e eu concordo) que as peças de Scrabble podem ser só pra confundir. Diz que é típico do Miro, que adora uns enigmas de pensamento lateral.
E eu, que não entendo nada de enigmas (muito menos de pensamento lateral) acho que, da mesma forma que esse papel não estava atrás do porta-retrado por acaso, as letras não devem estar naquelas posições específicas por acaso.
Não sei se ajudei muito. De volta a encarar o papel.
Outro domingo indo embora. Mais um começando daqui a pouco.
Nenhum outro telefonema estranho até agora, nem para mim nem para o Gastão.
Nenhuma notícia do Miro, nem para mim nem para ninguém.
Se descontarmos o papel que o Gastão trouxe de Maués, aquele que estava atrás do porta-retrato, nenhum sinal de que ele esteve ali antes de sumir. Por isso eu acho que aquelas letras espalhadas no papel branco, sejam lá o que forem, são a nossa melhor/única chance de descobrir alguma coisa. O quê, exatamente, já é especular demais...
Mas já que é a única coisa que eu posso fazer, vamos lá. Gastão acha (e eu concordo) que as peças de Scrabble podem ser só pra confundir. Diz que é típico do Miro, que adora uns enigmas de pensamento lateral.
E eu, que não entendo nada de enigmas (muito menos de pensamento lateral) acho que, da mesma forma que esse papel não estava atrás do porta-retrado por acaso, as letras não devem estar naquelas posições específicas por acaso.
Não sei se ajudei muito. De volta a encarar o papel.
Outro domingo indo embora. Mais um começando daqui a pouco.
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007
Filme B
A primeira coisa que eu pensei depois de girar a chave e entrar foi: 11 dias sem notícias. 11 dias que parecem vários meses de aflição e silêncio.
Silêncio - foi a segunda coisa que eu pensei. Nunca tinha entrado naquele apartamento e sido recebida por tanta quietude. Sempre tinha algo acontecendo, a TV ligada, uma música tocando, um violão desafinado, um falatório, uma algazarra, aquela pontinha de caos que é boa e necessária.
Mas hoje estava tudo em preto e branco. Janelas fechadas, poeira acumulada, plantas murchando e um cheiro ruim no ar, aquele cheiro estranho que as coisas têm quando esquecem delas.
A terceira coisa que eu pensei, e a que mais me preocupou, foi que aquela não tinha sido a melhor idéia do mundo. Eu não devia estar ali, não sabendo que o Gastão tomou todo tipo de cuidado para não me contatar diretamente depois que o Miro sumiu. Por outro lado, ele sabe muito bem que eu não ia ficar enfurnada em casa esperando o telefone tocar. Talvez ele não saiba que eu esqueci de devolver a chave do apartamento para o Miro. Talvez ele nem saiba direito que nós terminamos. Mas ele sabe que eu não sou de ficar andando em círculos enquanto o céu desaba lá fora.
Não se preocupem, eu tomei alguns cuidados e me certifiquei de que ninguém estava me seguindo. Eu acho.
De qualquer forma, depois de arrumar um pouco as coisas, me livrar de lixo e comida estragada e lavar a louça acumulada, essa sensação ruim passou e eu percebi que ir até lá era o mínimo que eu podia fazer, por eles e por vocês.
Só que as coisas não saíram muito como nós esperávamos. O escritório (onde antes era o quarto do Miro) e o quarto do Gastão estavam uma bagunça, com roupas e objetos espalhados, e para mim era claro que ele tinha pegado algumas roupas e saído dali às pressas. Não parecia nem de longe que aquela zona era parte desse quebra-cabeça.
Mas, já que eu estava lá, olhei todos os livros e discos que vocês mencionaram - e muitos outros. Mas como diferenciar algo relevante das anotações triviais que qualquer leitor ávido como o Gastão rabisca em página atrás de página? Como saber se um papel aqui e outro ali não são simples marcadores? Depois de algumas boas horas, eu tive que aceitar que era mais fácil eu ganhar 5 milhões no vídeo bingo do que encontrar algo útil.
A única coisa mais significativa que eu descobri foi que um dos livros do Sherlock Holmes tinha um post it meio rasgado colado numa página específica. Tirei uma foto da página, espero que ajude em alguma coisa:
Já estava quase anoitecendo quando eu dei uma última olhada na sala e na cozinha e decidi ir embora. Mas eu devia saber que estava tudo normal demais para continuar daquele jeito. Já tinha trancado a porta por fora quando eu ouvi o telefone tocar dentro do apartamento.
Entrei correndo e atendi, com o coração disparado, mais de susto do que de esperança de que fossem eles. A voz era de homem, mas a ligação estava tão ruim que mal dava para dinstinguir palavras de grunhidos.
A voz perguntou quem era.
"Com quem você quer falar?" - eu retruquei.
"Ele pode estar em perigo"
Chiados na linha.
"Quem? Quem pode estar em perigo?" - tive que gritar para que o homem me ouvisse.
"Nós o colocamos em perigo. Ele sabe sobre os fragmentos."
Não tenho certeza se a última frase foi uma afirmação ou uma pergunta. Eu fiquei muda. Estava apavorada. Antes que eu pudesse responder, a voz falou outra vez.
"Esta linha não é segura. Por favor..."
Então ele desligou.
Isso foi há algumas horas, mas ainda estou um pouco trêmula. Da noite para o dia minha vida virou um filme B de suspense.
Agora eu estou enfurnada em casa, e o telefone não tocou desde que eu cheguei.
Silêncio - foi a segunda coisa que eu pensei. Nunca tinha entrado naquele apartamento e sido recebida por tanta quietude. Sempre tinha algo acontecendo, a TV ligada, uma música tocando, um violão desafinado, um falatório, uma algazarra, aquela pontinha de caos que é boa e necessária.
Mas hoje estava tudo em preto e branco. Janelas fechadas, poeira acumulada, plantas murchando e um cheiro ruim no ar, aquele cheiro estranho que as coisas têm quando esquecem delas.
A terceira coisa que eu pensei, e a que mais me preocupou, foi que aquela não tinha sido a melhor idéia do mundo. Eu não devia estar ali, não sabendo que o Gastão tomou todo tipo de cuidado para não me contatar diretamente depois que o Miro sumiu. Por outro lado, ele sabe muito bem que eu não ia ficar enfurnada em casa esperando o telefone tocar. Talvez ele não saiba que eu esqueci de devolver a chave do apartamento para o Miro. Talvez ele nem saiba direito que nós terminamos. Mas ele sabe que eu não sou de ficar andando em círculos enquanto o céu desaba lá fora.
Não se preocupem, eu tomei alguns cuidados e me certifiquei de que ninguém estava me seguindo. Eu acho.
De qualquer forma, depois de arrumar um pouco as coisas, me livrar de lixo e comida estragada e lavar a louça acumulada, essa sensação ruim passou e eu percebi que ir até lá era o mínimo que eu podia fazer, por eles e por vocês.
Só que as coisas não saíram muito como nós esperávamos. O escritório (onde antes era o quarto do Miro) e o quarto do Gastão estavam uma bagunça, com roupas e objetos espalhados, e para mim era claro que ele tinha pegado algumas roupas e saído dali às pressas. Não parecia nem de longe que aquela zona era parte desse quebra-cabeça.
Mas, já que eu estava lá, olhei todos os livros e discos que vocês mencionaram - e muitos outros. Mas como diferenciar algo relevante das anotações triviais que qualquer leitor ávido como o Gastão rabisca em página atrás de página? Como saber se um papel aqui e outro ali não são simples marcadores? Depois de algumas boas horas, eu tive que aceitar que era mais fácil eu ganhar 5 milhões no vídeo bingo do que encontrar algo útil.
A única coisa mais significativa que eu descobri foi que um dos livros do Sherlock Holmes tinha um post it meio rasgado colado numa página específica. Tirei uma foto da página, espero que ajude em alguma coisa:
Já estava quase anoitecendo quando eu dei uma última olhada na sala e na cozinha e decidi ir embora. Mas eu devia saber que estava tudo normal demais para continuar daquele jeito. Já tinha trancado a porta por fora quando eu ouvi o telefone tocar dentro do apartamento.
Entrei correndo e atendi, com o coração disparado, mais de susto do que de esperança de que fossem eles. A voz era de homem, mas a ligação estava tão ruim que mal dava para dinstinguir palavras de grunhidos.
A voz perguntou quem era.
"Com quem você quer falar?" - eu retruquei.
"Ele pode estar em perigo"
Chiados na linha.
"Quem? Quem pode estar em perigo?" - tive que gritar para que o homem me ouvisse.
"Nós o colocamos em perigo. Ele sabe sobre os fragmentos."
Não tenho certeza se a última frase foi uma afirmação ou uma pergunta. Eu fiquei muda. Estava apavorada. Antes que eu pudesse responder, a voz falou outra vez.
"Esta linha não é segura. Por favor..."
Então ele desligou.
Isso foi há algumas horas, mas ainda estou um pouco trêmula. Da noite para o dia minha vida virou um filme B de suspense.
Agora eu estou enfurnada em casa, e o telefone não tocou desde que eu cheguei.
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